Ofélia
- Alana Marin
- 9 de ago. de 2022
- 2 min de leitura

Misteriosa, bela, morta. Assim estava na manchete da primeira página e por uma semana todos só sabiam falar de Ofélia, uma jovem encontrada no rio, encalhada na beirada. Sem nada que revelasse a identidade nem ninguém para reclamar o cadáver, a polícia a apelidou de Ofélia. Causa da morte: assassinato. O escândalo não poderia ser maior, o que fez para merecer isso sendo tão nova? O que poderia ter acontecido para terminar a vida de maneira tão vulgar? A pele pálida marcada de veias azuis, olhos castanhos vidrados no ar. A cabeleira loura havia sido penteada para trás pela correnteza, os lábios carnudos jaziam frios e roxos. A pobre moça só tinha uma camisola fina que lhe servia de mortalha. Nem o sagrado momento da morte poupou seu corpo indefeso dos olhares voluptuosos dos homens.
Bonita daquele jeito certamente despertou ciúmes de algum rapaz. Não deveria ser de família, que tipo de pai deixaria filha solta por aí à mercê da sorte? Com certeza era uma perdida, do contrário não estaria ali. Era uma pena que fosse tão jovem, não mais que 19 anos. E era um desperdício que fosse tão bela, mas quando se trata de mulheres dessa laia esse era o destino mais provável. Azar da moça, sorte do legista. Imóvel, sendo um eco de quem um dia foi, aquela menina mulher ouvia tudo, gritando por socorro e justiça. Que Deus tenha piedade de sua alma, querida Ofélia, pois as línguas vis dos homens não te pouparão.
Até na morte a acusaram de concupiscência. Sem direito à defesa, era só mais uma que virou lixo. Não tinha nome, não tinha história, ela era apenas uma coisa usada e depois daquela semana seria notícia velha. Não importava, na semana seguinte sempre haveria outra piada, outro corpo, outra jovem. Outro objeto de diversão.
Enterrada como indigente em uma vala comum, na ala dos rejeitados, pode finalmente descansar em paz. Levou para o túmulo apenas seus segredos e a má reputação póstuma. Mas a sina de ser mulher manteve sua fama viva e o fantasma de Ofélia - A Prostituta, assombrou por muitos anos o imaginário das meninas que temiam acabar como ela. Essas meninas se tornaram mães e ensinaram para suas filhas o que as mães delas ensinaram para elas. Mas as mesmas mães que se preocuparam em transformar aquela desconhecida em um bicho papão, não se preocuparam com seus filhos soltos por aí, transformando filhas de outras mães em novas Ofélias, Helenas, Amélias e Genis.
Comments