A Loira do Banheiro
- Alana Marin
- 31 de jul. de 2022
- 5 min de leitura

Eu nunca fui uma criança travessa, em geral me comportava muito bem. Sempre obedecia aos mais velhos, não mentia para minha mãe, não respondia a professora… deve ser então que essa travessura tão desproporcional veio para compensar os meus imaculados anos de bom comportamento. Aviso de antemão que não fiz ou disse nada por maldade. Foi um acidente, um telefone sem fio, depois que a informação saiu da minha boca eu já não tinha mais controle.
Eu estava na primeira série, tinha só sete anos e muita imaginação. Certo dia minha irmã chegou em casa contando uma história fantástica, mas ela não queria que eu ouvisse, pois segundo ela eu ficaria com medo. Bobagem! Eu já era uma menina crescida, não teria medo de uma historinha de terror. Então muito seriamente, olhando-me nos olhos, minha irmã conta a lenda da Loira do Banheiro. Uma menina que morreu tragicamente no banheiro da escola e que aparecia para levar a alma daquele que ousasse invocá-la. Minha irmã não poupou detalhes sangrentos e fez questão de descrever a aparência da falecida, contou também como era feito o tal ritual de invocação. Tudo isso em voz baixa, séria, como quem conta um segredo muito importante. Obviamente eu acreditei e lhe assegurei que não estava com medo. E mamãe advertiu para que eu não contasse a ninguém na escola. Era a confirmação que eu precisava: se eu não podia contar então era tudo verdade.
No dia seguinte eu fiz fofoca. Me senti muito mal por quebrar a promessa, mas era um segredo pesado demais para eu carregar sozinha. Aquela altura eu estava morrendo de medo de usar o banheiro da escola e preocupada que a Loira atacasse de surpresa uma de minhas amigas. Então eu contei para as minhas duas melhores amigas na época, replicando com o máximo de exatidão que consegui os detalhes da história de minha irmã. Contei tim tim por tim tim bem baixinho no canto da sala, afinal, era um segredo. E deixei bem claro que elas não deveriam contar a ninguém. Senti que tinha feito minha parte: preveni minhas amigas e as proibi de passar a história adiante.
As semanas que se seguiram foram um pouco... caóticas. Nós três não tocamos mais no assunto da Loira do Banheiro e eu estava com muita vergonha de contar para quem quer que fosse que eu estava com medo da lenda. De qualquer forma eu agia de maneira completamente normal, fingindo que não havia nada de errado. Dado mais ou menos um mês desse ocorrido a professora veio comunicar que havia um problema na escola. Aparentemente alguém estava espalhando histórias sobre a Loira do Banheiro e aterrorizando os demais alunos. E fica pior. Não era só em minha sala que a história tinha se espalhado, tinha se espalhado para outras turmas e outras séries também. E fica pior. A história tinha chegado também nas turmas do período da tarde. Ou seja, todas as turmas entre a 1ª e a 4ª série sabiam da lenda, isso dava em torno de 20 turmas diferentes com aproximadamente 30 alunos cada uma! Crianças apavoradas, pais infelizes ligando para escola, a diretoria caçava um culpado. O Ensino Fundamental I estava em colapso.
一 Eu não sei como essa história começou, nem quem contou primeiro, mas nós vamos descobrir. As professoras estão conversando com as salas delas e queremos que quem começou pare de contar mentiras 一 a professora não fez rodeio, a situação parecia séria. E completou 一 Vocês podem ficar calmos porque isso é mentira. Eu ouvi essa lenda na escola também, isso existe desde o tempo da minha avó. Todo ano tem um engraçadinho que aparece contando a história da Loira do Banheiro, mas causar medo desse jeito eu nunca vi.
Meu mundo caiu. Primeiro me senti traída. Se essa história estava por aí desde os tempos das avós é claro que era falsa. Como minha própria irmã pode me contar uma história falsa?! Segundo, eu tinha certeza que a possibilidade de outra criança ter começado tudo isso, senão eu, era praticamente nula. A prioridade agora era descobrir quem espalhou a fofoca e garantir que não me caguetassem.
Fui direto na primeira pista mais óbvia: minhas amigas. Falei com cada uma separado, é claro. E não é que as salafrárias me confessaram que contaram para outras duas pessoas cada uma! Mas elas me garantiram que os fizeram jurar que não contariam a mais ninguém. Não tive dúvida, peguei os nomes e fui tirar satisfação com os outros. E de novo, eles disseram a mesma coisa. Não demorei muito para entender que cada um tinha contado para um ou dois colegas e esses colegas contaram para mais um ou dois. A história se propagou em um esquema de pirâmide, tão rápido quanto um vírus. Descobri também que o que ajudou a ultrapassar a barreira entre as séries foram as crianças com irmãos mais velhos. O estrago já estava feito, só me restou esperar que passasse. Com a informação tão diluída e a história ganhando ou perdendo detalhes cada vez que era contada era impossível que me descobrissem. Lembro de ter ouvido umas quatro versões diferentes. Em pouco tempo cada criança tinha a sua, e assim como eu, também juravam que era verdade.
Quando a professora falou conosco em sala, algo aconteceu. Parecia que um tabu foi quebrado e que podíamos falar agora sem pudor sobre o fantasma. Até que um grupo de garotas entrou em consenso para testar o ritual de invocação. Assim tirava de uma vez por todas a dúvida se ela era real ou não. Ficou decidido que seria feito na hora do intervalo e no banheiro masculino, caso desse certo e ela se revelasse, a assombração seria então problema dos garotos.
Dia e horário definidos hora de pôr o plano em prática. Eu estava no meio, é claro. Apavorada? Totalmente. Mas a curiosidade se provou maior que o temor. Éramos sete no total. O ritual em questão consistia em jogar um fio de cabelo loiro (cedido generosamente por uma das recrutadas) no sanitário enquanto disparava três descargas, falando um palavrão para cada descarga. Repetimos essa sequência patética três vezes, pois ninguém tinha coragem de ficar no banheiro após a terceira descarga para ver o acontecia. A agitação chamou atenção de alguns garotos que foram acompanhar, mas também não tinham coragem de ficar no banheiro. Na quarta tentativa fomos impedidas por uma inspetora que dispersou o grupo.
Isso rendeu assunto por mais alguns dias. Algumas das Sete ainda tentavam fazer a Loira aparecer, sem sucesso 一 felizmente. Mas depois daquele dia eu desisti. Se o tal espírito atormentado tivesse que aparecer, teria aparecido. Porém meu medo não terminou naquele dia, na verdade o medo me acompanhou pelos anos seguintes de primário. Cheguei a contar para minha mãe na época,
que não conseguia esconder que estava achando toda aquela saga hilária.
一 Eu avisei para você não dizer nada na escola.
Foi o único sermão que recebi. Sabia que não estava encrencada porque ela me falou segurando o riso, mas como uma boa mãe não podia rir. Me ouviu com muita atenção, achando graça de todo meu desespero e culpa. De fato é muito engraçado, mas aos sete anos tudo parecia muito maior. Com o tempo parei de pensar nisso e as outras crianças também. Não tenho mais medo da Loira do Banheiro, a terrível. O único fantasma que acompanha desde a primeira série foi o de causar uma histeria coletiva, que diga-se de passagem, eu não tinha nem tentado.
Este texto é maravilhoso, engraçado e muito real kkk