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de longe, as luzes da cidade

Fabiano: Que droga, Vitória!

Vitória: A culpa é minha que o carro quebrou?

Fabiano: Você que inventou de ir nessa festa, mulher. Ainda paguei pras crianças se

sujarem nesse fim de mundo.

Vitória: Se tá achando ruim, experimenta se sujar nesse fim mundo usando salto. E

a roupa das crianças é só lavar.

Menino 1: Mãe, falta muito?

Vitória: Falta. Não era só eu que queria ir, Fabiano. As crianças também quiseram.

Fabiano: Sabe, mulher, acho que a Terta andou nos roubando.

Vitória: O que? O que a gente tem pra roubar?

Fabiano: Eu pedi pra ela fazer a roupa dos meninos. E eu mesmo dei o tecido!

Vitória: E…?

Fabiano: Meu Deus, mulher. As roupas tão todas picotadas com remendo.

Vitória:

Fabiano: Ela roubou tecido, Vitória.

Menino 2: Verdade, mãe. Olha aqui


Mostra uma das mangas da camisa mais curta do que a outra.


Vitória: Vamos voltar então?

Fabiano: Nem pensar.

Vitória: Mas não é você que está achando ruim que pagou pros meninos se

sujarem… e que eles estão desarrumados…

Fabiano: É, é, mas eu já paguei mesmo, andamos metade do caminho e você quer

ir à festa.


Fabiano sorri. Vitória sorri de volta.


Vitória: Mas como vamos passar por aquilo?

Fabiano: Andando

Vitória: Andar?! Pelo rio?

Fabiano: A água dá na canela. É só ir com calma.

Vitória: Por Deus, Fabiano. Não vai dar certo.

Fabiano: Claro que vai, mulher. É só tirar os sapatos, dobrar as calças. Meninos,

vocês também. E você, segura o vestido mais alto.

Vitória: Fabiano…

Fabiano: Confia.


Na travessia Menino 2 escorrega e se apoia no irmão. Os dois caem na água.


Vitória: Confia, não é?

Fabiano: É bom que refresca.

Menino 1: A culpa foi toda dele, mãe.

Vitória: Vamos, vamos. Levanta. Quem sabe o calor não seca vocês até chegarmos

lá.

Menino 2: Falta muito?

Fabiano e Vitória: Falta.

Fabiano: Sabe o que é engraçado?

Vitória: Eles estão mais sujos do que antes.

Fabiano: E nós também.


A família ouve alguma coisa se debater na água.


Menino 1: Pai, é a Baleia!

Menino 2: Ela seguiu a gente!

Vitória: Tadinha. É muito pra uma cachorrinha andar.

Menino 1: Pra gente também…

Fabiano: Agora não falta mais ninguém. Vem cá, menina. Vem.

Menino 2: Pensei que não gostasse da Baleia, pai. Sempre fala que ela tá suja.

Fabiano: Não acho que tô mais em posição de julgar ninguém por estar sujo. Uma

pausa, sim?


Sentam-se para descansar. De longe veem as luzes da cidade.



Texto adaptado de alguma cena que eu nem sei mais de "Vidas Secas" de Graciliano Ramos

(1892-1953). Fiz no meu primeiro mês em Dramaturgia :)



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