de longe, as luzes da cidade
- Alana Marin
- 16 de ago. de 2022
- 2 min de leitura
Fabiano: Que droga, Vitória!
Vitória: A culpa é minha que o carro quebrou?
Fabiano: Você que inventou de ir nessa festa, mulher. Ainda paguei pras crianças se
sujarem nesse fim de mundo.
Vitória: Se tá achando ruim, experimenta se sujar nesse fim mundo usando salto. E
a roupa das crianças é só lavar.
Menino 1: Mãe, falta muito?
Vitória: Falta. Não era só eu que queria ir, Fabiano. As crianças também quiseram.
Fabiano: Sabe, mulher, acho que a Terta andou nos roubando.
Vitória: O que? O que a gente tem pra roubar?
Fabiano: Eu pedi pra ela fazer a roupa dos meninos. E eu mesmo dei o tecido!
Vitória: E…?
Fabiano: Meu Deus, mulher. As roupas tão todas picotadas com remendo.
Vitória: …
Fabiano: Ela roubou tecido, Vitória.
Menino 2: Verdade, mãe. Olha aqui
Mostra uma das mangas da camisa mais curta do que a outra.
Vitória: Vamos voltar então?
Fabiano: Nem pensar.
Vitória: Mas não é você que está achando ruim que pagou pros meninos se
sujarem… e que eles estão desarrumados…
Fabiano: É, é, mas eu já paguei mesmo, andamos metade do caminho e você quer
ir à festa.
Fabiano sorri. Vitória sorri de volta.
Vitória: Mas como vamos passar por aquilo?
Fabiano: Andando
Vitória: Andar?! Pelo rio?
Fabiano: A água dá na canela. É só ir com calma.
Vitória: Por Deus, Fabiano. Não vai dar certo.
Fabiano: Claro que vai, mulher. É só tirar os sapatos, dobrar as calças. Meninos,
vocês também. E você, segura o vestido mais alto.
Vitória: Fabiano…
Fabiano: Confia.
Na travessia Menino 2 escorrega e se apoia no irmão. Os dois caem na água.
Vitória: Confia, não é?
Fabiano: É bom que refresca.
Menino 1: A culpa foi toda dele, mãe.
Vitória: Vamos, vamos. Levanta. Quem sabe o calor não seca vocês até chegarmos
lá.
Menino 2: Falta muito?
Fabiano e Vitória: Falta.
Fabiano: Sabe o que é engraçado?
Vitória: Eles estão mais sujos do que antes.
Fabiano: E nós também.
A família ouve alguma coisa se debater na água.
Menino 1: Pai, é a Baleia!
Menino 2: Ela seguiu a gente!
Vitória: Tadinha. É muito pra uma cachorrinha andar.
Menino 1: Pra gente também…
Fabiano: Agora não falta mais ninguém. Vem cá, menina. Vem.
Menino 2: Pensei que não gostasse da Baleia, pai. Sempre fala que ela tá suja.
Fabiano: Não acho que tô mais em posição de julgar ninguém por estar sujo. Uma
pausa, sim?
Sentam-se para descansar. De longe veem as luzes da cidade.
Texto adaptado de alguma cena que eu nem sei mais de "Vidas Secas" de Graciliano Ramos
(1892-1953). Fiz no meu primeiro mês em Dramaturgia :)
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